quinta-feira, 31 de maio de 2012

Traição



 
Quando em Setembro de 2010 o director do semanário "Expresso das Ilhas" me convidou para colaborar com o "seu" jornal, escrevendo semanalmente uma crónica sobre xadrez, nunca imaginei que essa colaboração viesse a terminar da forma que terminou.
Nessa altura aceitei o repto e durante 86 semanas, sem qualquer interrupção, mantive gratuitamente a colaboração solicitada, muitas vezes com prejuízo pessoal.
Não foram raras as vezes em que deixei de fazer ou de participar em coisas de meu interesse pessoal, para que pudesse cumprir a palavra dada. Mantive sempre a crónica semanal, não deixando a direcção do jornal, nem uma única vez que fosse,  "agarrada" e "com as calças na mão" por não ter a minha colaboração para publicar. Por vezes, não muitas, é certo que a colaboração chegava mais tarde, mas nunca deixou de chegar. Recordo-me que no último Natal, em que passados 11 anos voltei a passar esta quadra festiva em Portugal junto com a minha família, como não tive condições anímicas para fazer o artigo no dia de Natal nem no dia seguinte, no dia 27 de Dezembro, logo pelas 7:00 H da manhã, com um frio de rachar e com a cama a saber tão bem, levantei-me para elaborar a crónica que veio a ser publicada no dia 28 de Dezembro, não deixando, mais uma vez, o jornal sem a minha colaboração mesmo que com isso me tivesse sacrificado, como aconteceu muitas outras vezes.
Durante todo o tempo, e foram quase 2 anos, em que escrevi a crónica semanal para o "Expresso das Ilhas", nunca reclamei com a direcção o facto de alterarem alguns títulos, ou de amputarem algumas crónicas,  ficando algumas delas sem o sentido que lhes pretendi dar, como foi no caso da 20.ª crónica em que o brasileiro Mequinho (Henrique Costa Mecking) foi o tema escolhido.
Agora o que aconteceu com aquela que seria a minha 87.ª crónica eu não poderia tolerar,  ficar quieto ou sem tomar qualquer atitude.
Nos últimos tempos eu aproveitava a tarde de Domingo para escrever o que seria publicado na Quarta-feira seguinte, pois mesmo retirando ao convívio familiar umas 4 ou 5 horas, tempo que geralmente levava a elaborar a crónica semanal, parecia-me ser o mal menor, não interferindo tanto com a minha actividade profissional. É assim que na tarde do Domingo dia 20 de Maio, depois do Gelfand ter vencido Anand na 7.ª partida no match para o campeonato do mundo que decorreu em Moscovo, escrevi a crónica que sairia no dia 23 e que intitulei "Gelfand na frente". Como também vinha sendo habitual, na segunda-feira completei o texto que posteriormente enviei por mail para o director do jornal. Só que, horas mais tarde, o Anand ganhou a partida daquele dia e alterou o sentido do título do texto facto pelo o qual o director do "Expresso das Ilhas" entrou em contacto comigo (depois de inúmeras tentativas não conseguidas porque eu não tinha reparado ter o telemóvel desligado por falta de bateria). Face aos novos acontecimentos, e em virtude de eu estar sem tempo para elaborar nova crónica ou alterar o texto existente, acertámos que no final da crónica sairia uma nota indicando que ela tinha sido escrita antes do Anand ter ganho aquela partida, mas que na próxima semana, ou seja na edição desta semana, voltaria a esse tema.
Fiquei descansado com o que foi acordado até que na 5.ª feira de manhã (dia 24), dia em que o jornal chegou a S. Vicente, quando vou para a habitual página onde era publicada a minha crónica, vejo que o acordo não tinha sido cumprido, e em vez de sair o texto que eu tinha escrito com a nota que tinha sido acordada, estava outro texto com outra assinatura e, para agravar a situação, com a partida comentada que eu tinha enviado mas sem indicação de quem a tinha comentado.
Depois desta traição só havia uma coisa a fazer, que foi o que fiz, comunicar o fim da minha colaboração no "Expresso das Ilhas", pois se o director do jornal onde escrevo (gratuitamente), não honra um acordo, então parece-me não ser possível a continuidade nesse jornal.
Depois dessa comunicação não voltei mais a ser contactado pela direcção do jornal, mas houve quem intermediasse na tentativa de que voltasse com a minha palavra atrás e que continuasse a escrever as minhas crónicas para aquele jornal, pois o director já tinha reconhecido o erro. Esperei assim que na edição desta semana, no espaço da crónica, houvesse uma explicação para o facto do nome do habitual cronista ter desaparecido. Como isso não aconteceu, encerrou-se o assunto.
Como a 87.ª crónica não chegou a ser publicada no jornal, publico-a a seguir (com a excepção da partida comentada que acabou por ser publicada na edição da passada semana), para que assim a possam também ler.
Gelfand na frente
ou uma crónica não publicada *
No Match do Campeonato Mundial 2012 que está a decorrer no State Tretyakov Gallery em Moscovo, depois de seis entediantes empates, ou seja, metade da totalidade das partidas, na sétima partida, finalmente, houve um vencedor. Boris Gelfand, de brancas, levou a melhor sobre o campeão mundial em título, o indiano Viswanathan Anand, colocando-se assim na frente do marcador e, como candeia que vai à frente alumia duas vezes, o jogador naturalizado israelita, está com todas as possibilidades de se tornar o próximo campeão do mundo, mesmo sendo o 20.º do ranking mundial.
Caso se venha a concretizar esta hipótese de Gelfand ser coroado com o título máximo do xadrez, será interessante, para não dizer embaraçoso, quando após o match começar a defrontar em torneios os melhores do ranking (Carlsen, Aronian, Kramnik, Karjakin, Topalov, por exemplo), e começar, conforme prevejo, a levar “tareia” e a aparecer na cauda das classificações desses torneios.
Mas voltemos ao match e às sete partidas já disputadas até ao momento em que estou a escrever estas linhas. Logo à primeira vista, se analisarmos o número de lances efectuados em cada partida, verificamos que os dois jogadores têm estado com as cautelas todas, ou melhor, com demasiadas cautelas. A partida em que foram efectuados mais lances foi exactamente esta em que Gelfand se colocou na frente, com 38 movimentos. Nas anteriores seis partidas só em duas é que se ultrapassaram os 30 movimentos (na 3.ª com 37 e a a 4.ª com 34 lances), demonstrando claramente que os jogadores estavam a jogar para o empate, que é como quem diz, a serem “empatas” e sem grande brilho nas partidas disputadas.
Com esta derrota, espera-se que Anand se torne mais ofensivo e a 8.ª partida nos dirá se isso se concretizará, já que o indiano, a jogar de brancas, quererá certamente rectificar o resultado actual e pelo menos empatar o match. Claro que não será tarefa fácil, pois Gelfand é considerado por muitos um jogador de empates e agora, apanhando-se na frente, certamente que refinará essa táctica.
Este match está a ser dominado pelas aberturas com o peão de dama, mais concretamente com d4, pois das sete partidas já jogadas, seis foi assim que começaram, tendo quatro dessas aberturas desembocado em gambitos de dama recusados, uma na defesa Grunfeld e outra na defesa neo – Grunfeld. A abrir com peão de rei, só aconteceu na 5.ª partida quando Anand iniciou com e4 e Gelfand respondeu com c5, iniciando-se assim uma siciliana que seguiu a linha da variante Pelikan.


 
Gelfand iniciando a 7.ª partida com d4


Mas esta semana que passou ficou marcada por duas notícias que me merecem relevância. A primeira refere-se com o Grand Prix ciclo 2012/2013, competição que a FIDE anunciou, divulgando a lista das cidades que a receberão. Lisboa, a capital portuguesa, é uma das cidades que se encontra nessa lista, recebendo o Grand Prix de 10 a 24 de Abril de 2013. Com a divulgação dos locais onde se jogará o Grand Prix, que além de Lisboa inclui Chelyabinsk (Rússia), Tashkent (Uzbequistão), Madrid (Espanha), Berlim (Alemanha) e Paris (França), foram  também anunciados os 18 jogadores que regulamentarmente podem participar nesta grande competição e onde se encontram o campeão do mundo e o vice-campeão (Anand e Gelfand), os 4 melhores da taça do mundo (Svidler, Grischuk, Ivanchuk e Ponomariov), e os 5 melhores do ranking mundial (Carlsen, Aronian, Kramnik, Karjakin e Topalov, além dos 6 jogadores designados pelo patrocinador e do jogador indicado pela FIDE (todos com um Elo superior a 2700).
A outra notícia, é que a Federação Portuguesa de Xadrez tem nova direcção, tendo sido eleito para presidente, no passado Sábado, o jovem (27 anos) Eng.º Físico Francisco Castro. Já tive oportunidade de lhe enviar as minhas felicitações e de expressar o meu desejo de que Portugal e Cabo Verde estreitem as suas relações escaquisticas. Certamente que mais tarde voltarei a estes dois assuntos, mas agora fiquemo-nos com a partida que Gelfand ganhou a Anand.

Aqui deveria ser introduzida uma nota, que poderia ser:

Já estas linhas estavam redigidas quando tivemos conhecimento de que Anand, naquela que é certamente uma das mais curtas partidas da história dos matches para atribuição do título de campeão mundial, armou uma armadilha ao seu oponente, vencendo-o apenas em 17 lances. Mas a isso voltaremos na próxima semana, enquanto por agora continua tudo na mesma: empatado.

*Subtítulo acrescentado para a publicação neste espaço.