Quando em Setembro de
2010 o director do semanário "Expresso das Ilhas" me convidou para
colaborar com o "seu" jornal, escrevendo semanalmente uma crónica
sobre xadrez, nunca imaginei que essa colaboração viesse a terminar da forma que
terminou.
Nessa altura aceitei o
repto e durante 86 semanas, sem qualquer interrupção, mantive gratuitamente a
colaboração solicitada, muitas vezes com prejuízo pessoal.
Não foram raras as vezes
em que deixei de fazer ou de participar em coisas de meu interesse pessoal, para
que pudesse cumprir a palavra dada. Mantive sempre a crónica semanal, não
deixando a direcção do jornal, nem uma única vez que fosse,
"agarrada" e "com as calças na mão" por não ter a minha
colaboração para publicar. Por vezes, não muitas, é certo que a colaboração
chegava mais tarde, mas nunca deixou de chegar. Recordo-me que no último Natal,
em que passados 11 anos voltei a passar esta quadra festiva em Portugal junto
com a minha família, como não tive condições anímicas para fazer o artigo no
dia de Natal nem no dia seguinte, no dia 27 de Dezembro, logo pelas 7:00 H da
manhã, com um frio de rachar e com a cama a saber tão bem, levantei-me para
elaborar a crónica que veio a ser publicada no dia 28 de Dezembro, não
deixando, mais uma vez, o jornal sem a minha colaboração mesmo que com isso me
tivesse sacrificado, como aconteceu muitas outras vezes.
Durante todo o tempo, e
foram quase 2 anos, em que escrevi a crónica semanal para o "Expresso das
Ilhas", nunca reclamei com a direcção o facto de alterarem alguns títulos,
ou de amputarem algumas crónicas, ficando algumas delas sem o sentido que
lhes pretendi dar, como foi no caso da 20.ª crónica em que o brasileiro
Mequinho (Henrique Costa Mecking) foi o tema escolhido.
Agora o que aconteceu
com aquela que seria a minha 87.ª crónica eu não poderia tolerar, ficar
quieto ou sem tomar qualquer atitude.
Nos últimos tempos eu
aproveitava a tarde de Domingo para escrever o que seria publicado na
Quarta-feira seguinte, pois mesmo retirando ao convívio familiar umas 4 ou 5
horas, tempo que geralmente levava a elaborar a crónica semanal, parecia-me ser
o mal menor, não interferindo tanto com a minha actividade profissional. É assim
que na tarde do Domingo dia 20 de Maio, depois do Gelfand ter vencido Anand na
7.ª partida no match para o campeonato do mundo que decorreu em Moscovo,
escrevi a crónica que sairia no dia 23 e que intitulei "Gelfand na
frente". Como também vinha sendo habitual, na segunda-feira completei o
texto que posteriormente enviei por mail para o director do jornal. Só que,
horas mais tarde, o Anand ganhou a partida daquele dia e alterou o sentido do
título do texto facto pelo o qual o director do "Expresso das Ilhas"
entrou em contacto comigo (depois de inúmeras tentativas não conseguidas porque
eu não tinha reparado ter o telemóvel desligado por falta de bateria). Face aos
novos acontecimentos, e em virtude de eu estar sem tempo para elaborar nova
crónica ou alterar o texto existente, acertámos que no final da crónica
sairia uma nota indicando que ela tinha sido escrita antes do Anand ter
ganho aquela partida, mas que na próxima semana, ou seja na edição desta
semana, voltaria a esse tema.
Fiquei descansado com o
que foi acordado até que na 5.ª feira de manhã (dia 24), dia em que o jornal
chegou a S. Vicente, quando vou para a habitual página onde era publicada a
minha crónica, vejo que o acordo não tinha sido cumprido, e em
vez de sair o texto que eu tinha escrito com a nota que tinha sido acordada,
estava outro texto com outra assinatura e, para agravar a situação, com a
partida comentada que eu tinha enviado mas sem indicação de quem a tinha
comentado.
Depois desta traição só
havia uma coisa a fazer, que foi o que fiz, comunicar o fim da minha
colaboração no "Expresso das Ilhas", pois se o director do jornal
onde escrevo (gratuitamente), não honra um acordo, então parece-me não ser
possível a continuidade nesse jornal.
Depois dessa comunicação
não voltei mais a ser contactado pela direcção do jornal, mas houve quem
intermediasse na tentativa de que voltasse com a minha palavra atrás e que
continuasse a escrever as minhas crónicas para aquele jornal, pois o director
já tinha reconhecido o erro. Esperei assim que na edição desta semana, no
espaço da crónica, houvesse uma explicação para o facto do nome do habitual
cronista ter desaparecido. Como isso não aconteceu, encerrou-se o assunto.
Como a 87.ª crónica não
chegou a ser publicada no jornal, publico-a a seguir (com a excepção da partida
comentada que acabou por ser publicada na edição da passada semana), para que
assim a possam também ler.
Gelfand na frente
ou uma crónica não publicada *
No Match do Campeonato Mundial 2012 que está a decorrer no State Tretyakov Gallery
em Moscovo, depois de seis entediantes empates, ou seja, metade da totalidade
das partidas, na sétima partida, finalmente, houve um vencedor. Boris Gelfand,
de brancas, levou a melhor sobre o campeão mundial em título, o indiano
Viswanathan Anand, colocando-se assim na frente do marcador e, como candeia que
vai à frente alumia duas vezes, o jogador naturalizado israelita, está com
todas as possibilidades de se tornar o próximo campeão do mundo, mesmo sendo o
20.º do ranking mundial.
Caso se venha a concretizar esta hipótese de Gelfand ser coroado com o
título máximo do xadrez, será interessante, para não dizer embaraçoso, quando
após o match começar a defrontar em torneios os melhores do ranking (Carlsen,
Aronian, Kramnik, Karjakin, Topalov, por exemplo), e começar, conforme prevejo,
a levar “tareia” e a aparecer na cauda das classificações desses torneios.
Mas voltemos ao match e às sete partidas já disputadas até ao momento em
que estou a escrever estas linhas. Logo à primeira vista, se analisarmos o
número de lances efectuados em cada partida, verificamos que os dois jogadores
têm estado com as cautelas todas, ou melhor, com demasiadas cautelas. A partida
em que foram efectuados mais lances foi exactamente esta em que Gelfand se
colocou na frente, com 38 movimentos. Nas anteriores seis partidas só em duas é
que se ultrapassaram os 30 movimentos (na 3.ª com 37 e a a 4.ª com 34 lances),
demonstrando claramente que os jogadores estavam a jogar para o empate, que é
como quem diz, a serem “empatas” e sem grande brilho nas partidas disputadas.
Com esta derrota, espera-se que Anand se torne mais ofensivo e a 8.ª
partida nos dirá se isso se concretizará, já que o indiano, a jogar de brancas,
quererá certamente rectificar o resultado actual e pelo menos empatar o match.
Claro que não será tarefa fácil, pois Gelfand é considerado por muitos um
jogador de empates e agora, apanhando-se na frente, certamente que refinará
essa táctica.
Este match está a ser dominado pelas aberturas com o peão de dama, mais
concretamente com d4, pois das sete partidas já jogadas, seis foi assim
que começaram, tendo quatro dessas aberturas desembocado em gambitos de dama
recusados, uma na defesa Grunfeld e outra na defesa neo – Grunfeld. A abrir com
peão de rei, só aconteceu na 5.ª partida quando Anand iniciou com e4 e
Gelfand respondeu com c5, iniciando-se assim uma siciliana que seguiu a
linha da variante Pelikan.
Gelfand iniciando a
7.ª partida com d4
Mas esta semana que passou ficou marcada por duas notícias que me merecem relevância. A primeira refere-se com o Grand Prix ciclo 2012/2013, competição que a FIDE anunciou, divulgando a lista das cidades que a receberão. Lisboa, a capital portuguesa, é uma das cidades que se encontra nessa lista, recebendo o Grand Prix de 10 a 24 de Abril de 2013. Com a divulgação dos locais onde se jogará o Grand Prix, que além de Lisboa inclui Chelyabinsk (Rússia), Tashkent (Uzbequistão), Madrid (Espanha), Berlim (Alemanha) e Paris (França), foram também anunciados os 18 jogadores que regulamentarmente podem participar nesta grande competição e onde se encontram o campeão do mundo e o vice-campeão (Anand e Gelfand), os 4 melhores da taça do mundo (Svidler, Grischuk, Ivanchuk e Ponomariov), e os 5 melhores do ranking mundial (Carlsen, Aronian, Kramnik, Karjakin e Topalov, além dos 6 jogadores designados pelo patrocinador e do jogador indicado pela FIDE (todos com um Elo superior a 2700).
A outra notícia, é que a Federação Portuguesa de Xadrez tem nova direcção,
tendo sido eleito para presidente, no passado Sábado, o jovem (27 anos) Eng.º
Físico Francisco Castro. Já tive oportunidade de lhe enviar as minhas
felicitações e de expressar o meu desejo de que Portugal e Cabo Verde estreitem
as suas relações escaquisticas. Certamente que mais tarde voltarei a estes dois
assuntos, mas agora fiquemo-nos com a partida que Gelfand ganhou a Anand.
Aqui deveria ser introduzida uma nota, que poderia
ser:
Já estas linhas estavam
redigidas quando tivemos conhecimento de que Anand, naquela que é certamente
uma das mais curtas partidas da história dos matches para atribuição do título
de campeão mundial, armou uma armadilha ao seu oponente, vencendo-o apenas em
17 lances. Mas a isso voltaremos na próxima semana, enquanto por agora continua
tudo na mesma: empatado.
*Subtítulo acrescentado para a publicação neste
espaço.
