Decorria a campanha eleitoral para as eleições autárquicas de 1979 em Portugal. Estava eu na taberna principal de Ulme, vila de onde sou natural, quando sou abordado por alguém que me questiona sobre o desenvolvimento do xadrez naquela localidade e de alguma forma no próprio concelho.
Fiquei surpreendido por estar a ser abordado por alguém que mal conhecia mas que, pelo que depois me apercebi, era bem conhecedor daquilo que eu já tinha feito pelo desenvolvimento do xadrez na região e da minha motivação em fazer mais e melhor.
Mais surpreendido fiquei quando conheci a identidade do abordante que era, na altura, um dos vereadores da Câmara Municipal da Chamusca, o meu concelho de origem, e que estava ali na qualidade de candidato à presidência daquela autarquia.
Depois da abordagem e da conversa que mantivemos, fiquei sem qualquer dúvida de que aquele era o melhor candidato devendo sair como vencedor das eleições que se iam realizar.
Mesmo ainda não tendo idade para votar, pois só no ano seguinte é que completaria os 18 anos, não encontrei qualquer impedimento em juntar-me à campanha daquele candidato e aconselhando os meus amigos e familiares a votarem na sua lista, porque certamente seria ele quem mais benefícios traria para o concelho a cuja Câmara se propunha presidir.
No dia 16 de Dezembro de 1979, os eleitores do concelho da Chamusca, por maioria simples, deram a vitória a Sérgio Carrinho, nome do tal candidato, que a partir daquela altura se tornou presidente da Câmara Municipal daquela vila ribatejana, cargo que, apesar de já se terem passados quase 33 anos, ainda ocupa, e que o torna num dos presidentes de Câmara que em Portugal mais mandatos tem cumprido (já vai no fim do nono).
Nos anos seguintes, sempre que solicitei a colaboração da Câmara da Chamusca para as actividades escaquisticas que fui desenvolvendo no concelho, obtive uma resposta positiva.
É assim que durante um largo período, o xadrez no concelho da Chamusca foi-se massificando chegando a ter 4 equipas (Carregueira, Benfica da Chamusca, Vale de Cavalos e Ulme), embora nem todas se tivessem federado.
Até hoje continuo amigo do Sérgio Carrinho embora cheguem a passar anos sem nos falarmos.
Em finais de 1981, concorri a um lugar de Animador Sócio-cultural e Desportivo da Câmara Municipal de Coruche. Fui um dos candidatos escolhidos, tendo-me certamente favorecido o meu currículo na área do xadrez. Também penso que me foi favorável o conhecimento que o Sérgio Carrinho tinha das minhas actividades e da minha forma de trabalhar, informação essa que julgo ter sido transmitida a uma solicitação do seu colega de Coruche.
Em Coruche, durante os 3 anos que trabalhei na autarquia, tive apoio total no desenvolvimento da modalidade e por lá passaram a fazer simultâneas ou a participar em torneios, grandes jogadores portugueses da altura: Joaquim Durão, Fernando Silva, Luís Santos, José Pereira dos Santos, a própria equipa do Sporting, uma das melhores naquela época, entre outros.
Foram 3 anos em que o xadrez respirou em Coruche e das minhas "escolinhas" saíram muitos amantes de xadrez, excelentes estudantes e mais tarde bons profissionais, um dos quais foi o Dr. Fernando Carapau (do Diana de Évora) que mais tarde vim a reencontrar ainda com o bichinho pelo jogo dos reis.
Durante esse período o concelho de Coruche chegou a ter 4 equipas filiadas na FPX e a Associação de Xadrez de Santarém, que estava sediada em Rio Maior e quase inoperacional, foi alvo de um "ataque" pela nossa parte, claro que sempre com o apoio da Câmara Municipal, de forma a que passasse para o nosso concelho, o que acabou por acontecer mas numa altura em que eu já não estava em Coruche, pois já tinha deixado o meu cargo na Câmara local.
Em Portugal, durante os anos que estive à frente de actividades ligadas ao xadrez, contei sempre com a colaboração das autarquias locais.
Passado o longo período em que não estive ligado a qualquer actividade relacionada com o xadrez, e na sequência da realização do Festival de Xadrez de S. Vicente em 2008, que contou com a presença do então campeão de Portugal, o GM António Fernandes, foi solicitada autorização, com bastante antecedência, à Câmara Municipal de S. Vicente, para a utilização de uma das principais praças da cidade do Mindelo, com a finalidade de se realizar uma simultânea e um torneio de rápidas.
Pela experiências que trazia de Portugal, pensei que a autorização seria normalmente concedida, até porque iria ter a presença de um campeão de um país europeu e era uma actividade que beneficiaria a imagem da cidade.
Pois bem, foi puro engano. A autorização não foi concedida, sendo-nos comunicado, em cima da hora, que se quisemos que utilizássemos uma outra praça.
Essa praça não teria o impacto que se pretendia e era desprovida de sombra, o que tornava inviável a realização de uma simultânea ás 3 da tarde e um torneio de rápidas ás 10 da manhã.
O que vale é o que os cabo-verdianos, à semelhança dos portugueses, são também especialistas na arte do desenrascar.
É assim que conseguimos arranjar uma solução: realizar a simultânea e o torneio na Praça que pretendíamos, mas dentro de um espaço que é alugado e que funciona como bar "Quiosque da Praça Nova", não sendo para isso necessário autorização da Câmara, mas tão só e simplesmente, a concordância da dona do bar.
Mais tarde, numa das reuniões que tive com o vereador da cultura, daquelas que nunca dão em nada, fiquei a saber que a autorização não foi dada, porque a senhora presidente considerou que poderíamos estragar as flores do jardim. Como se os xadrezistas fossem alguns macacos.
Numa das tais reuniões que nunca dão em nada, o vereador Humberto Lélis informou que, a autarquia, pelo menos oferece troféus para as diversas competições das diversas modalidades que se vão realizando em S. Vicente, facto pelo qual foram solicitados troféus para um torneio que realizamos em finais de 2009. Até hoje estamos esperando pela resposta.
E da Câmara Municipal aqui de S. Vicente, o que o xadrez pode esperar é nada.
Muito diferente de outros municípios crioulos, onde tenho constatado algum apoio.
Por exemplo, na ilha de Santo Antão, no município da Ribeira Grande, tem havido apoios ao xadrez e provavelmente não tem havido mais porque não são apresentadas iniciativas. Eu próprio já fui convidado a participar em actividades nas festas da Ribeira Grande e sei que o vereador do pelouro relacionado com o desporto, Paulo Rodrigues, é um entusiasta da modalidade.
Há tempos tive uma conversa informal com o actual presidente da Câmara M. do Sal, Dr. Jorge Figueiredo, ficando convicto que o município é um apoiante das actividades relacionadas com o xadrez e as informações que me chegam dos xadrezistas daquela ilha, têm apontado nesse sentido.
Pelo que me consta, na capital, o Dr. Ulisses também não é daqueles que coloca o xadrez de lado e provavelmente até gostaria que lhe aparecessem mais iniciativas escaquisticas para as poder apoiar.
Os três municípios que aqui referi como apoiantes da modalidade (Ribeira Grande, Sal e Praia), são dirigidos por pessoas que são apoiadas ou que militam no mesmo partido político que suporta o executivo camarário aqui de S. Vicente. Portanto não se trata de um problema partidário mas de pessoas.
Já que o xadrez tem sido tão mal tratado, ou nem sequer é considerado, pelos autarcas são-vicentinos, está na hora da minha vingança: no próximo Domingo, dia 1 de Julho, dia de eleições autárquicas em Cabo Verde, para que nenhum candidato se fique a rir, votarei em todos, ou seja, no meu boletim de voto colocarei uma cruzinha à frente de todos os concorrentes.
E só mudarei de atitude em eleições futuras quando algum candidato me consiga convencer de que será benéfico ao xadrez.
Como eu, os xadrezistas de S. Vicente têm agora o oportunidade de se vingar dos seus autarcas: votando da mesma forma que irei votar.
E enquanto não chega o próximo Domingo, vem-me novamente à memória que a primeira vez que apoiei um candidato a presidente de uma Câmara Municipal, foi por causa do xadrez, e esse candidato saiu vencedor e quase 33 anos depois ainda ocupa o cargo.
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